Como editor da Trolha de São Paulo, cumpre-me estabelecer aqui um linha separando jornalismo e realidade.
A história é a seguinte.
Na primeira quarta-feira de dezembro, como é de costume, a Casa Branca, sede do governo ianque, abre suas portas para crianças de todos os lugares dos EUA ajudarem o presidente a decorar o lugar com enfeites de Natal.
Olha só a Michelle, mulher do Obama, fazendo social com uma criancinha.
O cachorro se chama Sunny. Ele é um filhotão, brincalhão como todo filhote é. E ele adora crianças, mas não tem consciência de seu tamanho, força e entusiasmo.
A criança da foto é Ashtyn Gardner, ela tem dois anos de idade e é de Mobile, no Alabama.
Mobile tem passado racista. Na Guerra Civil dos EUA, era parte dos Confederados e, no começo do século XX, era daquelas em que brancos e negros não andavam pela mesma via de jeito nenhum porque, naquela época, a segregação era garantida por lei.
Ok.
Por outro lado, a Justiça de Mobile, em 1963, forçou um colégio a admitir três alunos negros que havia recusado. Parece pouco, mas foi um daqueles primeiros e importantes passos que levaram, um ano depois (em 1964), ao fim da segregação legal com o Ato do Movimento Civil.
Mobile, alíás, elegeu um prefeito negro em 2005.
Sam Jones foi engraxate na prefeitura nos anos 50. Ele guarda memórias de uma Mobile em que negros eram vendidos como escravos nas docas do porto. Ele se lembra da época de engraxate, em que não havia político negro e nem policial negro de quem ele pudesse engraxar os sapatos.
Jones foi eleito por voto popular em 2005 e reeleito em 2009 - sem que houvesse candidato de oposição.
Porém, Jones sabe quem foi o Michael Donald de Mobile - um garoto de 19 anos, linchado e assassinado por um bando de homens brancos - porque viu o que aconteceu com ele há 30 anos. O corpo morto de Michael ficou pendurado por dias em uma árvore da avenida Herndon e, quando ele foi finalmente retirado de lá, em uma manhã de março, Jones estava lá e viu tudo.
Se ele estivesse na Casa Branca na última quarta, veria a cena abaixo acontecer e entenderia: cachorros, crianças, filhotes, todos juntos, dá merda. Eu me lembro de uma vez, quando eu era criança e tava de visita na casa do patrão do meu pai, e levei o poodle do cara pro banheiro e ensaboei o coitado com xampu.
Eu já era mais velho que a Ashtyn e, por isso, era mais ligeiro. Ela ainda não sabe que filhotes gostam de pular na gente e aprendeu isso com Sunny, do mesmo jeito que eu aprendi com a dálmata que meus pais tinham, a Lili, que vivia jogando meu irmão no chão.
Isso é realidade: uma cena em movimento e todas suas interpretações inclusas.
E jornalismo, o que é?
É estar ciente de toda a história e, ainda assim, usar apenas a imagem abaixo.
E, ainda por cima, editar a foto de modo a tirar os sorridentes: o general ali embaixo do quadro e a japinha de azul entre os câmeras.
Ia ficar assim.
Isso é jornalismo.
Não é realidade, mas é jornalismo.
Não confunda uma coisa com a outra, ok?
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